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24/03/2019

Condomínios podem impedir que morador inadimplente use as áreas de lazer?

Condomínios podem impedir que morador inadimplente use as áreas de lazer?

A estagnação da economia brasileira e os altos índices de desemprego no País têm elevado o volume de inadimplência nos condomínios residenciais. De acordo com o último levantamento realizado pela Associação Brasileira dos Administradores de Imóveis (Abadi), entre 2014 e 2017, a quantidade de moradores com débito mais que dobrou, passando de 5% para 12%.

 

Com o objetivo de driblar a crise financeira e garantir a arrecadação, os síndicos adotam medidas para garantir o pleno funcionamento dos condomínios. Entre as medidas mais comuns estão avisos, ações de cobrança, acordos amigáveis e estipulação de juros maiores. Desde o primeiro dia de vencimento, o morador já pode ser cobrado pela inadimplência. No entanto, o recomendável é aguardar o prazo de validade estipulado no boleto, além dos trinta primeiros dias de vencimento, para realizar o primeiro contato de cobrança.

 

Por outro lado, há também condomínios que ultrapassam as estratégias ordinárias e não raro terminam por adotar posturas mais arbitrárias e inflexíveis, como a restrição da utilização de áreas comuns pelos condôminos inadimplentes. A questão, polêmica, muitas vezes é decidida nos tribunais.

 

Decisão do STJ

 

No fim de maio, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou, por unanimidade, uma família inadimplente a utilizar as áreas comuns de um edifício no Guarujá, litoral paulista. A mulher, que tem cinco filhos, tinha sido proibida pelo condomínio de usufruir da piscina, brinquedoteca e salão de jogos, até que os pagamentos fossem quitados. A mulher, que acumula parcelas em atraso do condomínio desde 1998 e soma uma dívida de R$ 290 mil, argumentou que a morte do marido deixou a família sem condições financeiras.

 

Na primeira instância, o juiz atendeu ao pedido do condomínio e entendeu que a proibição não feria a liberdade da família, uma vez que as áreas comuns não são “serviços essenciais”. A segunda instância do processo também manteve a decisão, o que levou a mulher até o STJ. Por fim, o entendimento dos ministros foi a de que a proibição feria a dignidade humana e havia outras formas de se cobrar a dívida efetivamente. Assim, a família voltou a ter direito de acessar as áreas comuns, embora da ação ainda caiba recurso, ante os “embargos de declaração”.

Piscina | Foto: Larissa Quixabeira / Jornal Opção

 

O caso trouxe à tona novamente a discussão sobre os direitos e deveres dessa relação síndico-condômino. Até onde os condomínios podem ir, legalmente, para garantir a arrecadação? Paulo Sérgio Pereira da Silva, professor na Escola Superior de Advocacia de Goiás e sócio fundador do escritório Machado & Pereira Advogados Associados, de Goiânia, explica que a sanção cabível e prevista na lei é a execução da taxa condominial contra o condômino inadimplente, segundo a Lei 8.009/90, que pode levar à penhora do imóvel.

 

Paulo Sérgio ressalta que esta é uma punição “extremamente severa”, mas prevista na lei, ao contrário da proibição de acesso às áreas comuns ou outros formas de punições, que fere o princípio da dignidade humana, de acordo com o art. 1º, III, da Constituição Federal. “Se o condômino não pretende perder a própria casa ou apartamento onde mora, deve pagar religiosamente as taxas condominiais para evitar tamanho desastre”, argumenta.

 

Paulo Sérgio Pereira | Foto: Acervo Pessoal

 

Embora o condomínio tenha mecanismos legais para cobrar as taxas condominiais em atraso, Pereira afirma que é comum os condomínios proibirem o condômino inadimplente de frequentar as áreas comuns como piscina, sauna e quadra de esportes. O sócio diretor do escritório Avelino e Oliveira Advogados Associados SS, Leonardo Avelino, também relata conhecimento de ações onde o condomínio travou o elevador para não parar no andar do apartamento de famílias inadimplentes.

 

Avelino acrescenta que o caso de Guarujá não é uma novidade, mas uma “consolidação da jurisprudência”. O condomínio que insistir em utilizar a coação para garantir os pagamentos em atraso pode ser acionado judicialmente para colocar fim ao abuso e, ainda, ser condenado ao pagamento de indenização por danos morais, uma vez que o morador inadimplente é exposto a uma situação vexatória ante aos vizinhos.

 

Síndicos fazem malabarismos

 

A situação é desconfortável também para os síndicos, que precisam fazer malabarismos financeiros para contornar o problema e garantir o funcionamento dos condomínios. Luiza de Oliveira, presidente da Associação dos Condomínios do entorno do Parque Flamboyant (Amepark), observa que, de fato, houve aumento da inadimplência em seu condomínio nos últimos anos e destaca que o problema prejudica a todos, uma vez que as despesas são rateadas.

Leonardo Avelino | Foto: Fernando Leite

 

 “Se alguém não paga, sobra para os adimplentes dividir as contas a pagar”, explica. Para este problema, o professor Paulo Sérgio pontua que, cabe aocondomínio cobrar o débito dos inadimplentes com correção monetária, juros e multa prevista no Estatuto do condomínio.

 

Entre as formas de punições cabíveis e legais aos inadimplentes está a proibição de votar nas Assembleias Ordinárias e Extraordinárias do condomínio. Luiza pondera que os moradores inadimplentes podem até “participar das reuniões do condomínio como ouvinte, mas sem nenhum direito de voz”.

 

Outra atitude que o condomínio pode tomar nesses casos é estabelecer regras que valham para todos e não somente para os devedores. Leonardo Avelino explica que “o condomínio pode criar uma regra onde apenas o condômino que pagar uma taxa prévia pode utilizar o salão de festas, por exemplo.” Assim, a medida seria para todos e não restringiria os inadimplentes. 

 

A síndica sugere que o ideal é a contratação de um Departamento Jurídico especializado em cobrança para realizar as negociações. As sanções impostas, segundo Luiza, são as que constam no Código Civil e na convenção, documento que estabelece regras de administração de cada condomínio. É nesse documento que são registradas o modo de distribuição das despesas, além das obrigações da diretoria e dos conselhos consultivos.

Luiza de Oliveira | Foto: Fernando Leite

 

Luiza de Oliveira confirma que há condomínios que realmente proíbem o uso das áreas de lazer comum, embora não aplique a medida em seu próprio condomínio. Entretanto, a síndica demonstra desconhecimento pleno sobre a legalidade do problema.

 

“Segundo me informaram, isso teria que ser decidido na Convenção/Regimento Interno, aprovado por todos os condôminos”, pontua. No Ameapark, os inadimplentes são advertidos apenas com ações de cobrança e de execução.

 

Desemprego

 

Uma análise do Mercado de Trabalho divulgado na última terça-feira, 18, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), revelou que cerca de 3,3 milhões de brasileiros estão desempregados há pelo menos dois anos. Apenas no primeiro trimestre de 2019, o percentual de “desocupados” era de 24,8%, o que indica um crescimento de mais de sete pontos em igual período de 2015 (17,4%).

 

O estudo, que utiliza dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra ainda que a taxa de desemprego no país ficou em 12,5% nos primeiros três meses deste ano, atingindo 13,2 milhões de pessoas.

 

Somado a isso, o Produto Interno Bruto (PIB) também registrou uma queda de 0,9% no primeiro trimestre encerrado em abril, ante o período fechado em janeiro, segundo dados divulgados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), no dia 18.

Leonardo Avelino | Foto: Fernando Leite

 

A situação econômica desfavorável e o alto índice de desempregos trazem reflexos diretos para a inadimplência dos condomínios, abrindo precedentes para este tipo de adversidades. O advogado Leonardo Avelino alerta que “pelos próprios balancetes dos condomínios, é possível observar que esse volume de inadimplentes vem crescendo” no país.

 

Luiza de Oliveira lembra que os indivíduos também têm outras contas prioritárias como alimentação e a escolha dos filhos, o que leva os moradores a terem que escolher qual conta pagar.

 

No Estado de Goiás e em Goiânia, não é possível ter a dimensão do índice de inadimplentes nos condomínios. O Secovi (Sindicato de Habitação de Goiás) informou que não realiza este tipo de levantamento. Avelino propõe que o ideal seria um estudo mais aprofundado, para avaliar a real situação de inadimplência no Estado.

 

Fonte: Jornal Opção


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