Sobre 2020, Quintana, Senna, Bíblia e a maioridade dos Condomínios.
Mario Quintana foi um poeta e jornalista brasileiro, muito conceituado e celebrado até os dias de hoje, principalmente em tempos de redes sociais.
É dele a celebre frase que, em minha vida de solteiro utilizei por muito tempo, nas mesas dos bares, quando me indagavam sobre casamento: “Sempre preferi deixar dezenas de mulheres esperançosas do que uma só desiludida.” Um gênio!
Ah, tempos de faculdade, festas e porque não dizer, inconsequência e ingenuidade nesse coração quente que vos escreve. Com o passar dos anos, sigo admirando o velho poeta, mas confesso que ainda cedo às tentações das desilusões que só o amor é capaz de compreender.
Só que Quintana, pois mais que tenha cunhado verdadeiras pérolas como essa, não foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras e esse não foi seu único pecado. (Pra mim, azar da Academia).
Quintana morreu em 05 de maio de 1994. Data histórica para o esporte mundial.
Tenho certeza que você se recorda desse dia: enterro do piloto Ayrton Senna da Silva.
Esse com certeza foi o maior pecado de Mario Quintana: ninguém lembra de sua morte pelo simples fato de ter o azar de ter falecido na dada de um dos maiores esportistas que a humanidade já cultuou.
E quando na data de um acontecimento importante em que ocorre algo ainda mais significativo, pode apostar que o esquecimento é certo.
E onde entram os condomínios nisso?
2020 será eternamente lembrado como o ano da Pandemia. Covid-19!
O ano que não existiu. O ano em que o mundo inteiro sentiu o peso da chamada Globalização, em que em menos de 3 meses um vírus atravessou os oceanos e contaminou todos os continentes terrestres.
Mas 2020 também poderá ser reconhecido como o ano da (R)evolução Condominial.
Talvez até como consequência do isolamento social, fato é que nunca os Condomínios e seus Síndicos foram tão procurados. Aliás, nesse ano duas foram as profissões mais requisitadas e valorizadas: Profissionais de Tecnologia e de Sindicatura.
Como dizia minha avó, “estão por cima da carne seca”.
Por meses as pessoas ficaram confinadas em suas residências e passaram a conviver mais com seus vizinhos. Empresas fecharam as portas e moradores precisaram fazer de suas próprias residências os seus postos de trabalho. Crianças ficaram sem escola e gritos e correria pelos apartamentos foram o tema de muitas assembleias virtuais no Brasil.
Acredite, eu mesmo descobri vizinhos que jamais imaginei que morassem no meu prédio com a pandemia. Como humanos e adeptos de rotinas que somos, costumamos encontrar quase sempre as mesmas pessoas.
Quando saio para trabalhar, lá está meu vizinho de porta segurando o elevador pra mim.
Quando chego do trabalho, é meu vizinho de garagem que estaciona ao mesmo tempo em que paro meu carro.
Dizem os especialistas que avançamos 5 anos em 1. Eu, como Advogado militante da área condominial, acredito em uma década de avanços significativos trazidos pela pandemia nesse 2020 bastante tumultuado.
A questão que se impõe agora é: Com a pandemia, será que chegamos à nossa tão sonhada maioridade condominial?
Explico:
Maioridade pressupõe independência, autonomia, profissionalização.
Quando atingimos a maioridade cortamos o cordão umbilical que nos une à dependência financeira e emocional dos pais e passamos a assumir o controle de nossas vidas, nossos passos, nossos rumos.
Realizamos escolhas e arcamos com as consequências delas. E essa liberdade pressupõe…custos!
Nem todos atingem a maioridade aos 18 anos. Nos dias de hoje, psicólogos já falam em maioridade tardia, tamanha a nossa dependência dos pais para nossas escolhas.
É um passo acima de tudo, de coragem.
Só é verdadeiramente livre, quem se sustenta, quem avalia riscos junto a profissionais competentes e quem é independente.
Independência possui um custo (financeiro e emocional) intrínseco em sua própria definição.
Só que grande parte dos condomínios do Brasil ainda são geridos de maneira assustadoramente amadora. Até mesmo alguns profissionais gerenciam condomínios dessa forma.
Algo curioso me acontece todos os dias: Atendo síndicos por todo o Brasil como Advogado Condominial, e os mesmos me garantem que não precisam de um apoio jurídico isento, independente e de qualidade por “falta de demanda”. Preferem socorrer- se de advogados emprestados e generalistas ou oferecidos por “baixo preço” das administradoras.
Por mais paradoxal que essa afirmação possa parecer, esse é o entendimento de grande parte de nossa cultura: “preciso só tirar umas dúvidas, porque não tenho demanda para jurídico próprio”.
Isso se repete como um mantra não só por Síndicos, mas por Empresários também.
Aqui vai um recado: Advogados são contratados para evitarem demandas. Quando elas já existem, eles apenas tentam diminuir o prejuízo e sob um custo muito alto.
Dia desses fui procurado por um síndico para “esclarecer” algumas dúvidas que o advogado dele não soube informar.
Diante da consulta inusitada, resolvi questionar a área de atuação do meu colega de classe. Resposta: “é um advogado da administradora, nem sei o nome.”
Meus lábios arquearam com aquele sorriso de quem milita por anos com Condomínios, conhece de longe as consequências desses serviços jurídicos e resolvi arriscar:
-“Como assim, Advogado da Administradora? Não é o seu Advogado?”.
– “É que no meu contrato de Administração eles me deram assessoria jurídica para o Condomínio, mas ele não faz isso.”
Fiquei com a sensação de que aquele Síndico apenas tinha obtido a certificação profissional, mas sem saber ao certo como exercer a profissão de verdade.
Ele estava usando aquilo que chamo de “Advogado emprestado”. Existe também a figura do Advogado emprestado morador. Esse é ótimo: normalmente é um profissional de área totalmente diversa, mas que quebra um galho fazendo as cobranças das inadimplências dos condomínios.
Advogados Condominiais são por essência defensores.
São orientadores. São profissionais que possuem estudos não em leis somente, mas também em gestão de conflitos e redução de custos. Tal qual não se usa médico emprestado, não se deveria usar advogado emprestado.
Se eu tenho dores de cabeça constantes, um ortopedista pode até me dar os primeiros socorros, mas se for um profissional ético e competente me indicará um neurologista.
O empréstimo não está no sentido de usar o mesmo profissional para a solução de seus questionamentos, mas sim na utilização precária de um profissional que possui vínculo com outra empresa, que pode ter interesses conflitantes com o próprio condomínio.
Eu não sei vocês, mas eu não confio em advogados emprestados. Em mais de 15 anos militando, jamais me emprestei a ninguém. Advogado pra mim, precisa ter o dever ético e legal de defender EXLUSIVAMENTE os meus interesses. Ao menos os meus são assim.
E o que é exclusivo e isento possui alto grau especialização e independência.
Um Síndico, tal como um empresário é um gestor.
E gestores de verdade se pautam por técnica, resultados e qualificações de seus prestadores de serviços.
Aceitar o “serviço jurídico” ofertado pela administradoras do condomínio sem custo, ou por um custo baixo, é certeza de serviço feito apenas por preço, por um profissional sem a bagagem, experiência e especialização necessária para solução do caso.
Fato é que avançamos muito, mas tenho minhas dúvidas se atingimos de fato a maioridade profissional dos condomínios.
Gerir um condomínio sem um acompanhamento jurídico contínuo, isento e qualificado, resulta além de fraco respaldo, quase sempre acaba em ineficiência dos serviços.
Quantos clientes não atendi me pedindo para “dar uma olhadinha no processo, ou tirar essa dúvida”, porque não conseguem uma linha direta com seu próprio defensor.
O conflito ético e legal é permanente nesses vínculos de tabela, e não raro a consequência acaba em mesas como a minha para intervir.
Mais do que não ser permitido pela OAB, a vinculação de serviços de administração de condomínios combinada com serviços jurídicos, me espanta na verdade o mercado por tanto tempo ter convivido com clara e manifesta dubiedade de interesses de forma tão escancarada.
Quantos condomínios não foram severamente prejudicados pelos serviços profissionais vinculados contratualmente, realizado por profissionais que os Contratantes sequer sabem o nome? Suas qualificações? Suas certificações?
Não me incomoda o fato do condomínio não me contratar. Me incomoda o fato de ainda nos dias de hoje, vermos a figura do Advogado emprestado como natural, quando estamos falando de (r)evolução condominial.
Pois é meus amigos, algo me diz que precisaremos avançar mais uns 3 séculos para, de fato atingirmos a nossa maioridade.
Para terminar esse artigo, me socorro dos meus tempos de juventude, onde sentado na cama, cheio de dependência financeira e afetiva, minha mãe já me ensinava a passagem bíblica:
“Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou há de odiar um e amar o outro ou
se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao Dinheiro”.
Clodoaldo de Lima é Advogado Condominial e Empresarial, sócio do escritório
Fonte: Zabalegui & de Lima