Clubhouse, o condomínio do mundo digital
OK, eu admito. Não curti a chegada da nova rede social, Clubhouse. Mas criei meu perfil por lá, movida pelo velho hábito da curiosidade. A novidade me pareceu uma versão em áudio das velhas salas de bate-papo dos primórdios da internet.
Chegou a lembrar o dinossauro ICQ, um dos primeiros programas de mensagem instantânea da internet, criado lá nos anos 90 (velhinhos como eu entenderão). Ou uma versão mais sofisticada e controlada (?) dos grupos de Whatsapp. Surge como um novo espaço para conversas ao vivo, no lugar das "lives", sem imagem, explorando somente o áudio e permitindo interações mais controladas - mediante autorização do anfitrião.
Cansamos do descontrole das redes sociais, regidas pelos algoritmos, e cujo conteúdo não há exército humano ou de IA capaz de filtrar com maestria. Algumas redes sociais hoje, é fato, servem a muitos como ringues de disputas de opiniões binárias e superficiais, espaços para o cultivo de desafetos, ódio e ressentimentos.
O Clubhouse remete aos condomínios fechados, onde ninguém entra sem ser convidado, e onde tudo é relativamente bem controlado. Quem lembrou recentemente a cultura dos condomínios tão própria deste país chamado Brasil foi o psicanalista Christian Dunker, em um post numa rede social, em que analisava a cultura do cancelamento, tema que voltou forte às discussões através dos imbroglios vividos em rede nacional pelos participantes da edição atual do Big Brother.
Os condomínios têm suas origens na migração das zonas rurais para metrópoles e as muitas questões sociais que isso gerou, como forte desejo de uma determinada classe social de isolar-se em negação da realidade, da alteridade. Ganhou-se em segurança, perdeu-se em visão de mundo. Dunker comenta, e foi muito feliz nessa colocação, que o Brasil é, históricamente, um país de cancelados, com uma parcela enorme da população que não teve oportunidade de ascender socialmente, excluída nas periferias, vivendo vidas em estado permanente de cancelamento.
O cancelamento acalma quem cancelou. Eliminar o que incomoda é reconfortante, especialmente porque evita o conflito. Evita ter de conviver com inaceitável, o incoerente, o que o nosso superego rejeita, a diversidade, o outro.
Há uma vantagem no modelo criado pelo Clubhouse: tudo se perde, nada é gravado. O que é dito morre na sequência, não há registro. Isso estimula a participação ao vivo nos eventos e conversas dentro das salas temáticas. Isso agrada porque estamos cansados do registro de tudo, das câmeras ligadas permanentemente (até quando não nos damos conta), do Truman Show em que se transformou a vida, em que cada passo é gravado, ouvido e tantas vezes usado sem nosso consentimento por aplicativos e assistentes virtuais criados com o objetivo primodial de trocar serviços pela coleta injusta e silenciosa de dados.
Estamos exaustos da memória digital que se eterniza para além do que somos e não nos representará para sempre. Que poderá, eventualmente, ser usada contra nós. Conheço pessoas adultas que têm medo que vídeos de quando eram crianças sejam usados em algum ponto do futuro. São recordações toscas, que moram num perfil velho no instagram ou outra rede social qualquer e cujo acesso se perdeu no excesso de confiança no bom funcionamento do hipocampo para recordar dúzias de senhas. São conteúdos que talvez se mantenham ali por toda a eternidade, caso um apagão geral (ou um milagre) não delete a matrix.
No Brasil sequer temos o direito ao esquecimento por lei, em casos extremos, que envolvem casos especiais. Esta semana, por sinal, o Supremo Tribunal Federal optou por não legitimar o direito ao esquecimento, mantendo o respeito à privacidade e à intimidade como uma questão sem importância, secundária.
O Clubhouse me parece coerente, talvez mesmo inevitável, diante da cena digital atual. É o filho mais pródigo dessa nossa busca pela (há tanto tempo perdida) sensação de conforto, algum controle (?) e de segurança no ambiente digital. O tempo dirá se vingará, e também como performarão as réplicas que certamente virão (e já estão vindo) da inquieta concorrência. Talvez esta nova rede ensine algo ao restante dos players digitais no mercado, levando a revisões de modelos, a evoluções esperadas e necessárias. Tentarei ser uma realista esperançosa, como foi nosso Ariano Suassuna.
Mas para mim, devo admitir, no momento a nova rede social é tão somente fonte de FOMO*. Não consegui encontrar tempo para lhe dedicar algum tempo de qualidade, na rotina diária de trabalho, leituras, estudo, consulta a fontes de informação, e naturalmente de atenção à minha casa e à minha família. Sigo tentando, procurando no meio disso tudo não perder a minha sanidade. #segueojogo
*= Fear of Missing Out, o famoso medo de ficar de fora ou a ansiedade causada pela sensação de estar perdendo algo.
**Claudia Penteado é jornalista, estuda comunicação, filosofia e literatura, mora no Rio de Janeiro e acredita em capitalismo consciente. É leonina, mãe da Juliana e prefere ler livros em papel.
Fonte: Jornalista Claudia Penteado na Revista Época Negócios