Condomínios do Recreio se unem para cuidar de espaços públicos
RIO — O nome Recanto do Recreio remete a um lugar aprazível. Se dentro de cada condomínio tem grama aparada, meio-fio sinalizado, pista e calçada lisas e limpeza efetiva, o cenário não se repete do lado de fora das cancelas dos residenciais, o que levou moradores a se unirem para cuidar de espaços públicos.
Afinal, a área do Recanto é praticamente isolada do restante do bairro, tendo como único acesso a ponte sobre o Canal do Cortado, que, segundo quem a utiliza, também é motivo de preocupação. Viver num local quase privativo tem suas vantagens. Por outro lado, o isolamento pode criar uma ilha cercada de problemas. No caso do Recanto, eles proliferam devido à dificuldade para ver realizados serviços básicos por parte do poder público.
Tanto tarefas simples (como trocar uma lâmpada do poste ou fazer a varredura da rua) quanto as mais complexas (a drenagem do canal, por exemplo) têm gerado dor de cabeça e cada vez mais protocolos de requerimento. Os moradores dizem que as solicitações feitas através da plataforma 1746 não são atendidas — mesmo as pedidas há meses. O jeito foi arregaçar as mangas e organizar mutirões, agora mais constantes. E mexer no próprio bolso: os condôminos têm se reunido para ceder funcionários e recursos para os serviços de manutenção.
A Associação dos Condomínios Residenciais, Empresariais e Amigos Recanto do Recreio (Associação Recanto do Recreio) está à frente da organização dos grupos. No início deste mês, durante cinco dias, algumas demandas foram sanadas (mais uma vez), ajustadas num calendário coletivo para cada empreendimento participar dentro do possível, explica o presidente da associação, Lúcio Oliveira, morador e síndico do Round Decks.
— Temos hoje 14 condomínios residenciais, fora os centros comerciais, e todos enfrentam os mesmos problemas. Há quase um ano venho reclamando das mesmas coisas, sem sequer ter resposta. Fiz uma convocação para organizarmos como cada um poderia contribuir. Pagamos nossos impostos e mesmo assim temos que arcar com mais esse custo — conta o Oliveira.
No último mutirão, cada condomínio ajustou seu quadro de funcionários, tirando-os das tarefas regulares para executarem outras, como poda de árvores e limpeza de canteiros e ruas públicas. Ações que exigem maquinário, como drenagem do canal ou desentupimento do valão na Avenida Miguel Antônio Fernandes, são feitas por empresas terceirizadas, com custos arcados por quem vive próximo às águas.
— Tiramos a pessoa de uma função dentro do condomínio para suprir o que compete ao poder público — resume Oliveira.
Se a união faz a força, também ajuda na economia. Mario Carvalho, morador do Life, calcula que seu condomínio diminuiu de R$ 60 mil mensais para R$ 25 mil o contrato com uma empresa de ônibus particular. Quando a linha 818-A parou de circular, cada condomínio decidiu pagar separadamente pelo serviço de transporte. Agora, as rotas foram remanejadas para contemplar todos. Eles passaram então a dividir os custos, gerando economia. A associação estima viverem hoje no Recanto cerca de 15 mil moradores.
— Agora temos os ônibus circulando para todos, tornando mais barato e com paradas em pontos importantes do bairro e da Barra. Tínhamos conseguido a linha específica que passava aqui, e do nada acabou. Tentamos a volta do serviço com todos os superintendentes que assumiram na Barra. Depois o comando foi dividido, e os responsáveis pelo Recreio nunca nos atenderam — lamenta Carvalho.
Condomínios acumulam funções
Outros serviços dependem mesmo da espera. Após meses de solicitações, na semana passada 36 lâmpadas foram trocadas. Mas não há resposta sobre o pedido de instalação de novos postes na entrada do Recanto, na Avenida Miguel Antônio Fernandes. E este não é o único problema da via. A ponte, único acesso para a região, tem mostrado sinais de rachaduras, segundo moradores. O tráfego intenso, em crescimento com o adensamento, chega a 3.500 veículos por dia, estima a associação. O receio é de a construção ceder.
Enquanto é pedida a vistoria, os residentes também querem sinalizações adequadas. A falta de pintura para alertar o quebra-molas na saída afetou diretamente um motorista distraído — ou desavisado — que perdeu o para-choque do carro enquanto a equipe de reportagem do GLOBO-Barra visitava o local.
— Esse é só um dos acidentes que acontecem — garante Lúcio Oliveira, presidente da Associação Recanto do Recreio, sem se surpreender.
Em nota, a Secretaria de Conservação e Meio Ambiente afirmou que enviará “equipe ao local para vistoriar e programar os serviços necessários que cabem à conservação”.
Não há rua no Recanto do Recreio sem problemas para enumerar, dizem moradores. A sugestão de montarem, por conta própria, uma força-tarefa foi apoiada pelos condôminos, garantem os síndicos.
Os mutirões foram sugeridos pela Associação Recanto do Recreio. O síndico do Residencial Life, Sullivan Rodrigues, conta não ter enfrentado resistência em votação interna para adesão ao calendário de ações. A alternativa foi vista como uma saída para minimizar a situação.
— Na prática, ou nos ajudamos ou vivemos no meio do caos. Chegamos ao ponto de, ao passar na rua, termos que nos desviar de uma árvore que cresceu além da conta. O negócio está feio mesmo. E não houve resistência por parte das pessoas para colaborarmos no mutirão — afirma o síndico.
O próximo passo — caso não haja reviravolta com soluções — é mobilizar novos colaboradores para tirarem do papel ações de segurança, coleta seletiva (a fim de diminuir a quantidade de lixo gerado) e limpeza regulares nas ruas e no canal da Rua Silvia Pozzano, entre outras.
— Estamos nos organizando para manter as ruas limpas, bem cuidadas, justamente para mudarmos essa sensação de abandono que vivemos aqui no bairro — diz Rodrigues. — Precisamos de apoio recorrente, de organização, de planejamento, de saber que aquilo vai funcionar. Precisamos de serviços que funcionem e, infelizmente, isso nós não temos. É zero.
A Comlurb informou ter implantado no local a varrição duas vezes na semana e que avalia a possibilidade de a limpeza ser diária, além de fazer a roçada a cada 20 dias.
João Frazão, morador do condomínio Viverde Residencial, lembra como o local mudou ao longo dos anos. O adensamento populacional instigou a chegada de serviços, até então fiscalizados; hoje, não mais. Segundo ele, ambulantes vendem produtos sem autorização com veículos estacionados fora das vagas.
— Fim de semana é uma farra. As pessoas param Kombis aqui e vendem o que querem. Há tempos conseguíamos que (agentes da) Secretaria de Ordem Pública vistoriassem — diz o morador.
Procurada, a Guarda Municipal informou que o caso foi “encaminhado para o Grupamento Especial de Trânsito da Zona Oeste (GET-Oeste) e que a fiscalização será intensificada para coibir as irregularidades de trânsito apontadas”. A Coordenadoria de Controle Urbano (CCU) informou realizar ações rotineiras de ordenamento do espaço público no bairro do Recreio. E de ter retirado do local dois lava-jatos não autorizados.
Na Rua Silvia Pozzano — que ainda está no centro de uma discussão por não ter as obras de duplicação concluídas —, um terreno ocioso acumula lixo e mato em crescimento. O cenário motivou planos para o local, que, para a associação, poderia se transformar numa praça a ser usada pela comunidade.
Em resposta às dificuldades relatadas nas denúncias feitas pelo 1746, a Central “esclarece que não houve qualquer problema para registro das solicitações por meio do canal”. E avisa que caso haja demora ou o atendimento não seja satisfatório, o usuário pode acionar a ouvidoria.
A Rioluz informa ter feito no início deste mês manutenção nas lâmpadas apagadas. E que programou para esta semana nova vistoria no local. A Fundação Rio-Águas também vai enviar uma equipe de inspeção.