Direito Condominial - Suse Paula Duarte Cruz Kleiber
advogada especialista em direito condominial e tem vasta experiência no segmento. Atua na área há mais de 20 anos. Além disso, é consultora jurídica, palestrante, membro efetivo da Comissão de Direito Processual Civil da OAB-SP, subseção Santana e de Direito Imobiliário e Urbanístico de Osasco/SP e Jundiaí/SP. Autora do livro
Quem cuida do síndico em tempos de pandemia e retomada da rotina?
É sabido que o síndico tem que cumprir vários deveres descritos no artigo 1.348 do Código Civil e no artigo 22, da Lei 4.591/64, conhecida como a “lei dos condomínios”. O síndico é mandatário daqueles que o elegeram e é obrigado “a aplicar toda sua diligência habitual na execução do mandato...”, conforme prevê o artigo 667, do Código Civil. E com o passar dos anos, com o aumento do número de pessoas residindo ou trabalhando em condomínios, a legislação e as normas aplicáveis a eles aumentou consideravelmente, principalmente no que tange à segurança. Logicamente, os problemas de convivência também aumentaram, o que exige que o síndico também exerça função conciliadora e mediadora, visando buscar a harmonia entre todos que compartilham o mesmo espaço.
Muito tenho visto e ouvido sobre os deveres, responsabilidades, obrigações e até punições cabíveis aos síndicos nesses tempos inéditos de pandemia em que vivemos. Os síndicos têm sido submetidos a milhares de perguntas que ninguém sabe responder com segurança e cobrados por atitudes. E nesses momentos de pandemia, os síndicos, visando proteger seus condôminos se viram obrigados a fechar áreas comuns, impedir mudanças e obras, dentre outras medidas e muitos sofreram questionamentos e objeções.
Pois bem, mas quem cuida e zela pelo síndico?
Nossos síndicos estão sendo expostos e estão sofrendo enorme pressão, mormente quando há algum condômino com a COVID-19 no condomínio e insiste em circular nas áreas comuns sem qualquer proteção, ou aquele que descumpre sem o menor pudor todas as recomendações da Organização Mundial da Saúde, realizando festas, encontros, aglomerações dentre várias outras posturas inadequadas no condomínio.
E nesse episódios os demais condôminos lembram-se de imediatamente acionarem os síndicos que devem fazer cumprir a legislação, como sabemos, mas o condômino também. Estamos nos esquecendo que assim como o síndico que poderá ser punido pela ação ou omissão, o condômino também poderá ser punido na forma da legislação penal por colocar a saúde de outros em risco, o que é crime descrito nos artigos 132, 267 do Código Penal, além de cometer abuso de direito (artigo 187, CC), ferir direitos de vizinhança (artigo 1.277, CC), e deveres como condômino (artigo 1.336, CC), podendo sofrer as condenações respectivas. Há excludentes de responsabilidades para aqueles síndicos que cumprem suas obrigações e sofrem com a inadequação de alguns condôminos.
É dever de todos zelar pela saúde, segurança e sossego dos empreendimentos, portanto, não podemos nos acomodar e cobrar do síndico postura que é de todos, como sociedade, como seres humanos e como vizinhos. Ou seja, nós como condôminos devemos cumprir as orientações e podemos cobrar que nossos vizinhos façam o mesmo e não nos colocarmos confortavelmente esperando que o síndico socorra a todos.
Mas ainda diante de tudo o dito, temos aqueles condôminos ousados que indagam “onde isso está escrito”? Além dos textos acima, há ainda determinações contidas na novíssima Lei Nacional 13.789/2020 que prevê nos artigos 5º., I e 6º. o dever de todos comunicarem aos agentes sanitários eventuais suspeitos e contaminados. Já a Portaria Interministerial nº. 05 de 17 de março de 2020, prevê também punições, tanto nas esferas administrativa como civil e criminal aos que descumprem o isolamento e o distanciamento social, dentre outras leis, decretos e afins, portanto, se alguns condôminos não zelam pelas suas vidas e dos seus pares por empatia e sensibilidade, são obrigados a fazê-lo por força de lei e deverão ser punidos por não observá-las.
Esse texto, portanto, tem por desiderato dizer aos síndicos que impeçam o uso de áreas comuns, suspendam assembleias, emitam circulares e avisos e caso tenham conhecimento de pessoas infectadas ou suspeitas, tentem dar a elas atenção e cuidado, sem manter contato físico. Comuniquem aos seus condôminos a existência de pessoas contaminadas no local, preservando-lhes a identidade, mas prestando apoio e solidariedade. Tal comunicação visa a redobrar a atenção dos demais, pois, já se sabe que o vírus está no local. Sejam mais vigilantes e exigentes com relação à limpeza, sem esquecer dos funcionários do local que devem ter seus EPI´S reforçados, como insistentemente dito aqui. Todavia, caso o condômino infectado insista em expor a si e a todos à doença tome as medidas cabíveis, inclusive comunicando à vigilância sanitária, elaborando boletim de ocorrências etc, postura que pode ser adotada por qualquer condômino, diga-se de passagem.
A quantidade de pessoas e de crianças nas unidades residenciais aumentou com o isolamento e com eles os problemas, que caso persistam, caberá advertência e multas àqueles que não respeitam regras básicas de convivência, como horário, excesso de ruídos etc.
A coletividade não pode ser prejudicada pelo comportamento de um ou dois condôminos que, infelizmente, não podem morar num condomínio já que não sabem compartilhar, tolerar e respeitar.
Esse momento está colocando à prova não apenas nossa capacidade de nos isolarmos e sairmos da rotina, mas também de fazermos da nossa casa, verdadeiro lar, com observância dos mesmos direitos dos nossos vizinhos quanto à saúde, sossego e segurança, assim como os povos de Wu e de Yeh,[1] por exemplo, que mesmo sendo inimigos, quando vão atravessar um rio e são surpreendidos por grande tempestade, partem para a assistência mútua, um ajuda o outro “como a mão esquerda ajuda a direita”, não bastando depositar toda a “confiança nos arreios dos cavalos e enterrar as rodas da carroça no solo. O princípio é que o manejo do exército está baseado em dar coragem a todos”, portanto, todos devem auxiliar.
E, não demais lembrar que o síndico também pode ser contaminado como qualquer um de nós, logo, não cobremos dele o impossível, mas o respeitemos não apenas como gestor, mas como ser humano que precisa de cuidados e nesse momento merece muito mais nossa admiração e colaboração.